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Caetano Veloso

13 DE MAIO

Dia 13 de maio em Santo Amaro

Na Praça do Mercado

Os pretos celebravam

(Talvez hoje inda o façam)

O fim da escravidão

Da escravidão

O fim da escravidão

Tanta pindoba!

Lembro do aluá

Lembro da maniçoba

Foguetes no ar

Pra saudar Isabel ô Isabé

Pra saudar Isabé


CANTIGA DE BOI

Meça a cabeça do boi:

Um CD colado à testa

Adornaram-no pra a festa

Do que foi. Desça à metade

Do que eternamente nasce:

Na face que é iridescente

É gente, dá-se a cidade.

Abra a cabeça do boi:

Por trás do CD um moço

Nesse cabra uma serpente

Cobra lá dentro do osso

Posso não crer na verdade

Mas ela dobra comigo:

Abrigo em mim a cidade.

Cantiga de boi é densa

Não se dança nem se entende

Doença, cura e repente

E desafio ao destino

Menino já tem saudade

Do que mal surgiu à frente:

Alma, CD, boi, cidade.

Purificação do adro

O quadro produz-se ali

Luz o paralelepípedo

Límpido cristal de olhar

Grécia, Roma e Cristandade

O CD refrata o tempo -

  • Templo-espaço da cidade.

COBRA CORAL

Pára de ondular, agora, cobra coral:

A fim de que eu copie as cores com que te adornas,

A fim de que eu faça um colar para dar à minha amada,

A fim de que tua beleza

Teu langor

Tua elegância

Reinem sobre as cobras não corais


IA

Ia

Te chamar mas não vou mais

O dia

Já vem vindo lá de trás

Da barra do mar da baía do Rio

Tão só

Vendo a curva de Copa

Cabana da melancolia

Ia

Te chamar mas meu peito está está frio.

Ah

Os braços de Iemanjá

O mar

Quem há

De procurar seu lugar

Em Iá

Seu dia?

Num som

Surdo o mundo quebra em mim

Sem fim

Esse instante seria

Ia

Desistir mas agora eu te chamo aqui.


MEU RIO

Meu Rio

Perto da favela do Muquiço

Eu menino já entendia isso

Um gosto de Sustical

Balé no Municipal

Quintino:

Um coreto

Entrevisto do passar do trem

Nós nos lembramos bem,

Baianos, paraenses e pernambucanos:

Ar morno pardo parado

Mar pérola

Verde onda de cetim frio

Meu Rio

Longe da favela do Muquiço

Tudo no meu coração

Esperava o bom do som: João

Tom Jobim

Traçou por fim

Por sobre mim

Teu monte-céu

Teu próprio deus

Cidade

Vista do outro lado da baía

De ouro e fogo no findar do dia

Nas tardes daquele então

Te amei no meu coração

Te amo

Em silêncio

Daqui do Saco de São Francisco

Eu cobiçava o risco

Da vida

Nesses prédios todos, nessas ruas

Rapazes maus, moças nuas

O teu carnaval

É um vapor luzidio

E eu rio

Dentro da favela do Muquiço

Mangueira no coração

Guadalupe em mim é Fundação

Solidão

Maracanã

Samba-canção

Sem pailde;

Samba-canção

Sem pai nem mãe

Sem nada meu

Meu Rio.


ROCK’N’RAUL

Quando eu passei por aqui

A minha luta

Foi exibir

Uma vontade fela-da-puta de ser americano

(E hoje olha os mano)

De ficar só no Arkansas

Esbórnia na Califórnia

Dias ruins em New Orleans

O grande mago em Chicago

Ter um rancho de éter no Texas

Uma plantation de maconha no Wyoming

Nada de axé Dodô e Curuzu

A verdadeira Bahia é o Rio Grande do Sul

Rock’n’me

Rock’n’you

Rock’n’roll

Rock’n’Raul

Hoje qualquer zé-mané

Qualquer caetano

Pode dizer

Que na Bahia

Meu Krig-Ha Bandolo

É puro ouro de tolo

(E o lobo bolo)

Mas minha alegria,

Minha ironia

É bem maior do que essa porcaria.

Ter um rancho de éter no Texas

Uma plantation de maconha no Wyoming

Nada de axé Dodô e Curuzu

A verdadeira Bahia é o Rio Grande do Sul

Rock’n’me

Rock’n’you

Rock’n’roll

Rock’n’Raul.


SOU SEU SABIÁ

Se o mundo for desabar sobre a sua cama

E o medo se aconchegar sob o seu lençol

E se você sem dormir

Tremer ao nascer do sol

Escute a voz de quem ama

Ela chega aí

Você pode estar tristíssimo no seu quarto

Que eu sempre terei meu jeito de consolar

É só ter alma de ouvir

E coração de escutar

Eu nunca me farto do uníssono com a vida

Eu sou

Sou seu sabiá

Não importa onde for

Vou te catar

Te vou cantar

Te vou, te vou, te dou, te vou te dar

Eu sou

Sou seu sabiá

O que eu tenho eu te dou

Que tenho a dar?

Só tenho a voz

Cantar, cantar, cantar, cantar


TEMPESTADES SOLARES

Você provocou

Tempestades solares no meu coração

Com as mucosas venenosas de sua alma de mulher

Você faz o que quer

Você me exasperou

Você não sabe viver onde eu sou

Então adeus

Ou seja outra:

Alguém que agüente o sol.


ZERA A REZA

Vela leva a seta tesa

Rema na maré

Rima mira a terça certa

E zera a reza

Zera a reza, meu amor

Canta o pagode do nosso viver

Que a gente pode entre dor e prazer

Pagar pra ver o que pode e o que não

Pode ser

A pureza desse amor

Espalha espelhos pelo carnaval

E cada cara e corpo é desigual

Sabe o que é bom e o que é mau

Chão é céu

E é seu e meu

E eu sou quem não morre nunca

Vela leva a seta tesa

Rema na maré

Rima mira a terça certa

E zera a reza


ZUMBI

Angola, Congo, Benguela,

Monjolo, Cabinda, Mina,

Quiloa, Rebolo

Aqui onde estão os homens

Há um grande leilão

Dizem que nele há uma princesa à venda

Que veio junto com seus súditos

Acorrentados num carro de boi

Eu quero ver

Eu quero ver

Eu quero ver

Eu quero ver

Angola, Congo, Benguela,

Monjolo, Cabinda, Mina,

Quiloa, Rebolo,

Aqui onde estão os homens

De um lado cana-de-açúcar

De outro lado o cafezal

Ao centro os senhores sentados

Vendo a colheita do algodão branco

Sendo colhido por mãos negras

Eu quero ver

Eu quero ver

Eu quero ver

Eu quero ver

Quando Zumbi chegar

O que vai acontecer

Zumbi é senhor das guerras

Senhor das demandas

Quando Zumbi chega

É Zumbi é quem manda

Eu quero ver

Eu quero ver

Eu quero ver

Eu quero ver

Angola

Congo

Benguela

Monjolo

Cabinda

Mona

Quiloa

Rebolo